[Continuamos com a série de textos do Dr. Aquilino Polaino-Lorente, sobre o processo de autoidentificação homossexual.Muitos irmãos e irmãs que lutam contra a atração pelo mesmo sexo (AMS) encontrarão aqui elementos que conectarão com a própria experiência de vida. Os que não enfrentam tal batalha, terão oportunidade para conhecer melhor um pouco do drama que enfrenta uma pessoa que luta contra AMS e como ajudá-la. Os partes anteriores se encontram aqui e aqui].
Segunda
etapa: a confusão e primeiras dúvidas acerca da identidade sexual
Se o menino segue se comportando da mesma
maneira que vinha fazendo, depois da etapa de sensibilização, se marcará mais
os trações e comportamentos que o diferenciava dos demais.
Com apenas nove anos se dará conta de que
seus amigos fazem outras coisas que ele é incapaz de fazer. Seus amigos de nove
anos dão chutes em uma bola. Ele, em troca, gosta de brincar com bonecas e
cozinha, forrar as carteiras e brincar de “comidinhas”. As condições em que
nele se manifestam nessa etapa determinam a forma em que crê se conhecer, quer
dizer, um menino diferente marcado por essas diferenças. Isto o leva a admitir
– ao menos como possibilidade – se seus sentimentos e comportamento podem ser considerados
por ele mesmo e pelos demais como homossexuais.
Nessa etapa começam a se apresentar as
falsas atribuições. O menino atribui o fato de que, por exemplo, ele gostar de
bordar ou brincar com bonecas e não jogar futebol, a que possivelmente seja homossexual.
Por acaso tem algo a ver a
homossexualidade com o fato de bordar? Provavelmente não, dado que os melhores
bordadores têm sido e são homens.
Mas as falsas atribuições continuam: “Eu
não tenho nenhuma aceitação social em meu grupo”, “meus amigos não me chamam”,
etc. Surge assim um monte de recriminações e culpabilidades, todavia mal
estabelecidas que, no entanto, ocupam com freqüência seus pensamentos. Perante
esta situação de pensar e se experimentar como diferente cabem, ao menos, nesta
etapa, três possibilidades distintas.
Primeiro, que o negue. Neste caso se
dirá: “Eu não sou tão diferente, o que se passa é que não jogo futebol”. Porém,
no dia seguinte, voltará a fazer a mesma pergunta.
Segunda, que pense que o que acontece com
ele é algo passageiro, com o transcorrer do tempo, se passará, animando-se com
a seguinte ou parecidas recomendações: “agora eu não gosto de jogar futebol
mas, provavelmente, quando eu tenha dois anos mais, jogarei futebol”.
Terceira, que comece a duvidar e a
discutir consigo mesmo acerca de se será aceito ou não, tal como é. Abandonadas
estas condutas na espontaneidade de sua evolução, podem dar origem a dois
quadros clínicos – é lícito falar assim? – que, no âmbito dos transtornos do
desenvolvimento psicossexual infantil, geram mais consultas com o psiquiatra
infantil: a menina “macho” e o menino afeminado.
A menina “macho” tem sido definida como a
menina que é considerada ou chamada assim por seus pais, por manifestar muitos
dos comportamentos seguintes: haver expressado em mais de uma ocasião seu
desejo de ser menino; relacionar-se com um grupo de companheiros no que, ao
menos, 50% deles sejam homens; mostrar preferência por vestir roupas
tradicionalmente consideradas como masculinas (boné, jaqueta de baseball, chuteiras,
etc.), e rejeita vestir roupas convencionalmente consideradas como femininas
(roupas de mulher, saias, meias, etc.); perder o interesse por brincar com
bonecas; mostrar uma clara preferência por certos tipos masculinos
(especialmente por aqueles de tipo esportivo, que exigem um grande vigor físico
e um importante compromisso); e manifestar um interesse muito superior ao de
seus companheiros de igual idade por dar piruetas, derrubar-se pelo solo e
outras atividades recreativas (Green, 1974, 1978; Green e Money, 1969).
Algo parecido acontece com o menino
afeminado, que também parece apresentar características de comportamento muito
diferentes das que se observam no menino normal. A comparação, atenta e
sistemática, do comportamento infantil em ambos os tipos de meninos levada a
cabo pelos próprios pais, tem permitido caracterizar o menino afeminado como o
menino que apresenta os seguintes traços de comportamento: mostrar uma especial
preferência por atividades mais sedentárias no lugar de outras mais violentas e
agressivas (como dar cambalhotas), que tem também mais afinidade com traços
inatos de tipo masculino; experimentar uma especial sensibilidade perante a
percepção da beleza física por parte dos adultos (que costumam comportar-se
perante o menino que se trata de uma menina); haver sido estimulado, durante a
etapa preescolar, pela família a manifestar condutas especificamente femininas
(ou haver sido desalentado a manifestar os comportamentos opostos); haverem
sido vestidos ou tratados como uma menina por um dos pais; carecer de um irmão
varão maior, que o possa de servir de modelo para ele se identificar; e haver
percebido atitudes de repúdio em seu pai.
Se os traços anteriores servem para
caracterizar os meninos afeminados, vejamos agora alguns dos que são muito
comuns aos pais desses meninos.
Nas mães resultam frequentes as seguintes
atitudes a respeito desses meninos: a superproteção – entendida esta num
sentido quantitativo e o mais rigorosamente possível, longe do significado dado
a este conceito pela psicanálise-; a indiferença; a atenção excessiva e o
elogio exagerado de determinados traços que servem para a identificação da
beleza física.
Entre os pais, em troca, as atitudes mais
frequentes a respeito desses meninos são as seguintes: a indiferença; a
ausência de interação (por passar muito tempo fora de casa ou por falta da
necessária dedicação; cfr., Polaino-Lorente, 1993); e o repúdio encoberto (o
pai oferece quase toda sua atenção ao filho maior, com ele que se entende bem e
fala no mesmo nível) ou manifesto (o pai desaprova, fustiga ou corrige
continuamente o comportamento do menino; nesta última circunstância não é
infrequente que se possa detectar uma certa psicopatologia adicional no pai).
Entre as características observadas
nestes meninos por seus familiares podem destacar-se as seguintes: começo muito
cedo (antes dos dois anos de idade, ou entre os dois e os quatro primeiros anos
de vida) dos comportamentos tradicionalmente atribuídos ao sexo feminino (uso
de sapatos, meias, saias ou outras roupas próprias de mulher ou, em seu
defeito, ter capacidade para improvisá-las fantasticamente, a partir de outras
telas ou peças de vestir); conduta de evitar a possibilidade de interagir com
outros meninos do mesmo sexo, no que para eles são ocupações rotineiras,
recusando-as com afirmações como as seguintes: “é que os meninos são muito
brutos no jogo...” e passar muito tempo com seu brinquedo favorito, quer dizer,
com uma boneca, a que veste e despe, imitando em seus gestos e ademais o
comportamento feminino e maternal característicos.
Esta última preferência, apesar de ser
valorizada por alguns como irrelevante, pode constituir um marco importante no
posterior desenvolvimento psicossexual do menino.
Repare que ao brincar com a boneca
preferida resulta inevitável a realização de gestos que forçosamente hão de ser
concebidos na imitação dos que realiza a mulher (do contrário, o jogo não seria
tal, por estar muito longe, por não reproduzir nem sequer gestualmente aquilo
em que a realidade consiste).
Uma vez que emergem essas condutas - que com a repetição tenderão a se aperfeiçoar
em sua aquisição, até chegar a consistir quase em um automatismo-, o menino
transmite já, só com isso, o exato modelo que mais tarde servirá para ser
qualificado como “afeminado”, precisamente por aqueles cujo juízo de valor
sobre este tema mais importa ao próprio filho (seus irmãos, seus companheiros
ou seus pais).
[continua...]
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